Não sei muito bem o que é que as pessoas pensam que nós fazemos para viver. Nem sei bem se pensam alguma coisa. Sei que sempre que digo ou escrevo em algum questionário/inquérito a minha profissão - Investigadora - ouço um qualquer comentário do género: "Ah, que giro! Trabalha na PJ?" Ah? Como? E lá começo eu explicar que não, que faço investigação em ciência, mais concretamente na área das ciências da saúde, e as pessoas fazem-me logo um olhar totalmente desinteressado e mudam de assunto. Até parece que fazer ciência é tão aborrecido como ser varredor de rua, ou distribuidor de jornais ou até mesmo tratador de animais num qualquer zoológico (que basicamente lhes limpa as fezes e dá de comer, com o risco acrescido de poder levar uma bela marca de dentes no braço de recordação para casa). Atenção! Não tenho absolutamente nada contra estas profissões, não fiquem já todos feitos marias-ofendidas! Como todas as profissões neste mundo (excepto talvez aquela que segundo dizem é a mais antiga) são necessárias e de respeitar. Mas a verdade é que existem profissões mais estimulantes que outras, e varrer o chão da rua, embora bastante útil, não é algo que leve alguém a ver o seu QI aumentado de forma significativa. Mas porque será que fazer investigação é visto desta forma tão desprezível pelos demais cidadãos, ao ponte de parecer tão desinteressante?
É verdade que de vez em quando ouço um comentário do género, "Ah, deves ser bastante inteligente!" - o que já melhora um bocadinho a situação. Pronto, pode ser um trabalho chato e tudo mais, mas pelo menos acham-me inteligente e perante isto uma pessoa fica caladinha e faz um sorrisinho de agradecimento pelo elogio! Outras vezes, bem mais raras, ainda ouço um "Ai que giro! E investigas o quê? Em que área trabalhas?" e aí é que me metem em trabalhos. Sim, fico muito contente pelo entusiasmo e pelas palavras de apreço, mas como é que me safo desta agora? Como é que vou explicar isto a uma pessoa leiga na área? É quase o mesmo que um mecânico a tentar explicar-me como funciona o motor do carro. Não somos mais inteligentes do que os outros, nada disso. Nem convencidos o suficiente para acharmos que os demais não são capazes de compreender o que fazemos. O facto é que o cidadão comum tem pouco ou nenhum contacto com estes assuntos, o que é natural, mas torna as coisas bem mais difíceis. E se damos uma explicação demasiado simples levamos com um "Então mas qual é o interesse disso? Serve para quê?"... Se nos armamos em sabichões e começamos a usar termos técnicos como angiogénese, metástase, barreira hemato-encefálica ou se começamos a falar de fibroblastos e dendrites e coisas que mais, sofremos uma espécie de revirar de olhos que claramente denuncia um "deves ter a mania tu, deves deves".
Tenho noção que poucas pessoas compreendem a importância da investigação e dos investigadores e que a maioria deve pensar que somos seres estranhos, nerds, geeks ou outra coisa do género. E então num país em crise, ainda pior! "Mas porquê que devemos dar dinheiro a esta gente quando a Saúde e Educação estão nas ruas da amargura?", "Estes bolseiros de investigação só querem é mama do Estado! Eles que vão trabalhar que têm bom corpo para isso!", "Esta gente não quer é fazer nada da vida, tiram cursos atrás de cursos e querem é andar a estudar a vida toda porque vida de estudante é que é" e todo mais um roll de outros comentários de semelhante conteúdo. As pessoas estão pouco informadas. E a culpa não é só delas! Nós também somos responsáveis por esta lacuna e aparentemente não estamos a comunicar o nosso trabalho, e as suas vantagens gerais para a população e para o país, nomeadamente para a economia, de forma eficiente.
Não é de todo meu objectivo tornar este blog num fórum de discussão de ciência e dos problemas a ela associados. Nada disso! Mas de vez em quando, se me forem deixando, vou aproveitar este espaço, que afinal de contas é meu, para dar o meu pequenino contributo e tentar elucidar melhor quem me rodeia, porque isto de fazer ciência tem muito que se lhe diga!!!
P.S.: afinal de contas pensam que a internet nasceu como? Ah? E os vossos smartphones, tablets e demais gadgets dos quais não abrem mão? Mandem lá remover todo o financiamento da investigação e depois fiquem em casa à espera do lançamento do novo iphone7, ou da cura para o ébola! Sim, sim, boa sorte com isso...